Louco Amor - Uma Crônica Sobre a Loucura

Eu realmente não entendo porque não há mais hospícios. O engraçado é que os hospícios acabaram mas os doidos não. O recomendado hoje é que fiquem com a família para um tratamento mais humanizado.

Certamente há muita teoria científica por trás desta decisão médica e de política pública, e quem tá falando doidices aqui sou eu, mas é que eu realmente não entendo. Agora o ditado ‘Cada louco com a sua mania’ foi trocado pelo o ditado “Cada louco a sua família”.

Conheci uma senhora que comia bananas. Muitas bananas, somente bananas. Virgem, era uma espécie quixotesca, na medida em que só ela via o que via e ainda travava grandes diálogos com o seu fantástico mundo, que envolvia uma promessa de casamento não cumprida por um sujeito, certamente muito mau, na medida em que não tinha a menor idéia (E como poderia ter?) de que a sua falta de comprometimento com a palavra empenhada seria o gatilho da loucura alheia. Esta senhora ficava violenta e gostava de usar facas para atacar os vilões de seus delírios. Andarilha, inúmeras vezes deixou seus parentes sem rumo tentando encontrar o rumo da doida varrida. Não, não fui eu que inventei este termo, doida varrida era como os vizinhos a chamavam. A senhora bem sabe que eu nunca a ofenderia, Tia Eulália.

Tenho genuína curiosidade pelos efeitos do amor nas pessoas, gosto de escrever sobre ele nas minhas trovas e poemas, e curioso é o fato de que o amor é um catalisador e tanto da loucura, ou, se não o é, a idealização do amor perfeito parece ser. Sendo mais precisa ainda, o amor fracassado foi o gatilho da loucura em 80% dos casos que conheci. E nem adianta me confrontar, porque já adianto que esta é uma estatística com metodologia desenvolvida por mim e com nenhuma margem de erro: meço pelos meus dedos: dos dez casos que conheci, oito envolveram um grande amor.

Já vi mulher jovem perder o tino de si por toda a vida por causa de um amor que era pura ilusão. Parece poético, mas chamo de perder o rumo o fato de precisar tomar remédio tarja preta por toda a vida, aposentar na juventude por perdido o juízo, estas coisas. Já vi também mulheres cometerem a loucura de nunca mais se deixarem apaixonar, mas isto já é outro assunto.

Voltando então à loucura raiz, conheci outra mulher. Esta tinha um namorado imaginário (sempre eles), mas também se achava vigiada neste namoro. Só confiava neste homem, e para não ser vigiada desligava telefones, escondia coisas…. Sair? Ela se recusava. Quando, finalmente, conseguiram levá-la ao psiquiatra, ela, a Dona Sandra, falou bem alto na sala de espera do ambulatório de um hospital público: “Minha filha, você me trouxe a este lugar aqui que só tem maluco pra que? Eu não sou doida como eles não!” Nem preciso falar que deu-se a confusão, porque todos ali ficaram altamente ofendidos em sua não loucura. 

Dona Sandra foi muito sedutora na juventude e para o seu macho imaginário libertava toda a sua libido adormecida. O marido, que a esta altura já tinha virado um ex que morava com uma paciente psiquiátrica por pura falta de opção, estava ele mesmo ficando doido de conviver com a situação. Não vi até hoje uma história fácil para as famílias.

De minha infância trago uma cena de filme de terror: o homem que comia vidro. Sua mulher era muito religiosa e a tudo suportava com afeto, mas quando o Jurandir tinha ataque, não, não sei o nome técnico para isto, era assim que chamávamos quando o Jurandir tinha um treco, creio ser surto a palavra mais adequada, pois que quando o Jura tinha surtos ele quebrava as coisas dentro de casa e colocava vidro na boca. A vizinhança toda corria para ajudar, a ambulância era chamada, e a casa ficava cheia, mais por curiosidade mórbida do que pelos outros motivos, mas o fato é que neste momento todos nós virávamos família da Dona Ideleuza; isto além do homem que come vidro povoar o nosso imaginário infantil, sendo devidamente acionada a sua figura pelas mães quando entrávamos no modo desobediência: “Olhaaaaa, eu vou chamar o Jurandir, hein, moleque!” 

Mas nem só em mulheres eu vi o amor desencadear a loucura, talvez adormecida, conheci, numa pequena cidade, um senhor muito culto, muito educado, eu gostava mesmo de conversar com ele. Ela era o mendigo da praça e ao mesmo tempo era o rei: falava sobre qualquer assunto, falava com sabedoria. Foi depois de flagrar a mulher com outro que ele partiu sem rumo pela vida. Deixou tudo: dinheiro, cartões, emprego. Era engenheiro, estava mendigo. A decepção fez e desfez de Henrique até que um dia foi, enfim, encontrado pela família.

As loucuras que citei, todas as vi em pessoas hoje com mais de cinquenta anos. O fato é que hoje  talvez tenham restado poucos românticos ao ponto de enlouquecem de amor. Ou o amor tenha trocado de objeto, e a política é um deles. Vejo verdadeiras loucuras políticas serem defendidas com tanto ardor, que chego a pensar que há hoje gente que trocou a idealização romântica pela idealização política. Ladrões viram coitados injustiçados, pessoas de bem viram fascistas, quem pensa diferente vira algumacoisafóbico, numa loucura coletiva certamente nunca vista. 

Mas voltando ao mundo privado: a loucura e o amor, que fascínio triste esta combinação me desperta... Minha avó sempre contava do caso da Dona Clotilde, que depois de enlouquecer costumava enrubescer o seu marido ao recitar para qualquer um que quisesse, ou não, ouvir, a longa lista de chifres que esta já lhe havia aplicado. Apesar do constrangimento continuado, o Seu Dionísio nunca a abandonou, isto sim é amor! É isto então: cada amor com a sua loucura, cada louco com a sua família e cada família com a sua loucura. E tenho dito!



Paula Franco

Comentários

  1. DIZ O PSIQUIATRA DE PLANTÃO QUE DE LOUCO TODOS NÓS TEMOS UM POUCO E QUE QUANDO RECONHECERMOS QUE SOMOS LOUCO ENTÃO COMEÇARÁ A NOSSA CURA.E PELO QUE EU SOUBE, QUANDO ENTRA O SIGNO DE PEIXES POR SER PORTAL DO UNIVERSO ESPIRITUAL NÓS SOMOS ACOMETIDOS PELO TEMA DAS PROFUNDEZAS..POIS PROFUNDO É ESTE SIGNO ..COMO O OCEANO O É..QUEM FOR BOM PEIXE SABE O QUE FAZER NELE ..MAS QUEM NÃO FOR E VIER BRINCAR COM AS ÁGUAS SEM FIM..SE TORNA O QUE CHAMAMOS DE "GIRA", OU DE AÉREO, LUNÁTICO MESMO..AFINAL A LUA ELA GIRA, GIRA, GIRA SEM PARAR AO REDOR DA TERRA..É A NOSSA AMADA LOUCA ROMÂNTICA...E LENDO ESSE FÉRTIL, INTELIGENTE E BEM HUMORADO TEXTO, EM MEIO ELE DE HILÁRIOS REALISMOS MÓRBIDOS ATÉ QUE ME SINTO ALIVIADO E PESSOA NORMAL..DEPOIS DE O LER...POIS CANSEI DE RESPONDER A QUEM ME CHAMAVA DE LOUCO QUE: - SIM SOU LOUCO E DE VERDE E AMARELO E DE PAI E MÃE. rsrs

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